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Helicóptero ultrapassado e dificuldade para repor peças: queda de aeronave com presidente do Irã expõe fragilidade da aviação local em meio a embargo dos EUA

Irã tem dificuldade para renovar sua frota aérea desde que os EUA impuseram sanções econômicas ao país, em 1979. Helicóptero Bell 212 tinha décadas de uso e era considerado ultrapassado.

O helicóptero que levava o presidente do Irã e outras sete pessoas caiu no domingo (19) e todos a bordo morreram. A aeronave voava em uma região montanhosa e enfrentava condições climáticas muito adversas, com neblina pesada e chuva. A imprensa local trata o caso como “falha técnica”.

A queda joga luz sobre a fragilidade da aviação iraniana em meio a décadas de embargo pelos Estados Unidos —o que resulta em falta de acesso a aeronaves modernas e a peças de reposição.

O presidente Ebrahim Raisi voava em um helicóptero Bell 212. Segundo a emissora estatal IRNA, o helicóptero foi comprado no início dos anos 2000.

Trata-se de uma antiga aeronave americana que provavelmente já tinha décadas de uso (não se sabe o ano de fabricação). O Bell 212 é um helicóptero bimotor que fez o primeiro voo no final da década de 1960 e não é mais fabricado. Considerada ultrapassada atualmente, é uma versão civil de um helicóptero popular por ter sido muito usado na Guerra do Vietnã —mais de 50 anos atrás.

Atualmente, há 15 helicópteros Bell 212 com uma idade média de 35 anos registrados no Irã que podem estar em uso ativo ou em armazenamento, de acordo com a empresa de dados de aviação Cirium.

Sanções
O Irã tem dificuldade para renovar sua frota aérea desde que os EUA impuseram sanções econômicas ao país, em 1979, quando líderes islâmicos xiitas fizeram uma revolução, derrubaram o governo civil e chegaram ao poder. As sanções foram gradativamente aumentando e, desde 1995, empresas dos EUA estão proibidas de vender aeronaves ou fazer manutenção para companhias iranianas. O embargo está relacionado ao apoio do Irã a grupos como o terrorista Hamas e ao Hezbollah, e ao programa nuclear iraniano.

Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e da Casa do Saber, afirma que o país até chegou a viver um momento de possível mudança desse cenário: “Em 2015 foi firmado um acordo com os EUA, ainda no governo de Barack Obama, que era muito promissor para os iranianos. Havia previsão de uma abertura para o mercado internacional, empresas de telefonia móvel e industrialização. No entanto, com a chegada de Donald Trump ao poder nos EUA, isso se fechou”.

Segundo o centro de estudos Washington Institute for Near East Policy, durante os anos de relaxamento das sanções, o Irã encomendou mais de 200 aeronaves de países ocidentais. No entanto, apenas 16 foram entregues antes de Trump restabelecer as sanções.

Ali Vaez, diretor de projetos do Irã no International Crisis Group, disse que, embora as sanções dos EUA tenham privado o Irã da capacidade de renovar e reparar sua frota por décadas, “não se pode ignorar o erro humano e o papel do clima neste acidente em particular”.

O ex-ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, culpou os EUA pela queda justamente pelo embargo à compra de aviões e peças de reposição.

“Um dos principais culpados pela tragédia de ontem são os Estados Unidos, que embargaram a venda de aeronaves e peças de aviação para o Irã e não permitem que o povo do Irã desfrute de boas instalações de aviação”, disse Zarif à Associated Press.
O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, refutou a associação entre o acidente com as sanções econômicas ao Irã. “Os EUA não tiveram nenhum papel a desempenhar nesse acidente. Isso é um fato, puro e simples”, disse.

Como o Irã tenta fazer manutenção da frota
De acordo com a agência de notícias Associated Press, as aeronaves no Irã muitas vezes voam sem as devidas checagens de segurança.

O regime de Teerã passou a fazer engenharia reversa (ou seja, tentar copiar a tecnologia) e canibalismo: retira peças de uma aeronave para fazer a reposição em outros.

Richard Aboulafia, analista e consultor de aeroespacial, afirmou à AP que o Irã provavelmente está recorrendo ao mercado negro para obter peças para manter a frota, mas questionou se o país possui as habilidades de manutenção necessárias para manter helicópteros antigos voando com segurança.
“Peças do mercado negro e quaisquer capacidades locais de manutenção que eles possuam — isso não é uma boa combinação”, disse ele.

O número de acidentes aéreos no país
De acordo com o Birô do Arquivo de Acidentes Aéreos, entre 1979 e 2023 houve:

253 quedas de aeronaves no Irã.
3.335 mortes em acidentes aéreos.
O país tem 88 milhões de habitantes
Como comparação, no Brasil, os números são os seguintes:

289 acidentes.
1.871 mortes.
O Brasil, no entanto, tem uma população muito maior —de acordo com o último censo, são 204 milhões.
Morte do presidente Raisi
A morte do presidente iraniano, Ebrahim Raisi, foi confirmada pelo Ministério das Relações Exteriores do Irã nesta segunda-feira (20).

Raisi, que foi eleito em 2021 e tinha mandato até 2025, era a segunda pessoa mais importante do Irã, atrás apenas do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país e de quem o atual presidente era um protegido e possível sucessor. Segundo o blog da Sandra Cohen, a morte de Raisi deve disparar uma disputa feroz pelo cargo. As eleições presidenciais foram marcadas para 28 de junho.